A Filha de Faraó
"E a filha de Faraó desceu a lavar-se no rio,
e as suas donzelas passeavam pela borda do rio; e ela viu a arca no meio dos
juncos e enviou a sua criada, e a tomou. E, abrindo-a, viu o menino, e eis que
o menino chorava; e moveu-se de compaixão dele e disse: Dos meninos dos hebreus
é este" (versículo 5-6). Aqui, pois, começa a soar a resposta divina em
doce murmúrio aos ouvidos da fé. Deus intervinha em tudo isto. O racionalismo,
o cepticismo, a infideli¬dade, e o ateísmo, podem rir-se desta ideia. E a fé
também; mas são risos diferentes. Os primeiros riem com desprezo da ideia da
inter¬venção divina num banal passeio duma princesa real pela margem do rio. A
segunda ri de cordial contentamento ao pensar que Deus está em tudo. E, de
fato, se alguma vez Deus interveio em qualquer coisa foi neste passeio da filha
do Faraó, embora ela o não soubesse.
Uma das mais ditosas ocupações da alma regenerada é
seguir as pegadas divinas em circunstâncias e acontecimentos que a mente
irrefletida atribui ao acaso ou à fatalidade. Por vezes a coisa mais banal pode
ser um importantíssimo elo numa cadeia de aconteci¬mentos de que Deus Se está
servindo para levar avante os Seus grandiosos desígnios. Vejamos, por exemplo,
Ester 6:1; que encon-tramos? Um monarca pagão que passa uma noite inquieta.
Nada há de extraordinário nisso, podemos supor; e no entanto, esta
circuns¬tância constitui um elo numa grande cadeia de acontecimentos
providenciais, ao fim da qual surge a maravilhosa libertação dos descendentes
oprimidos de Israel.
Assim sucedeu com a filha do Faraó e o seu passeio
pela margem do rio. Mas ela não pensava que estava ajudando os intentos do
"Senhor Deus dos hebreus"! Mal ela sabia que o bebé que chorava na
arca de juncos viria ainda a ser o instrumento do Senhor para abalar a terra do
Egito até aos seus alicerces! E contudo era assim. O Senhor pode fazer com que
a cólera do homem redunde em Seu louvor (SI 76:10) e restringir o restante
dessa cólera. Como a verdade deste fato transparece claramente nas palavras que
se seguem
"Então, disse sua irmã à filha de Faraó: Irei
eu a chamar uma ama das hebréias, que crie este menino para tií- E a filha de
Faraó disse-lhe: Vai. E foi-se a moça e chamou a mãe do menino. Então, lhe
disse a filha de Faraó: Leva este menino e cria-mo; eu te darei teu salário. E
a mulher tomou o menino e criou-o. E, sendo o menino já grande, ela o trouxe à
filha de Faraó, a qual o adoptou; e chamou o seu nome Moisés e disse: Porque
das águas o tenho tirado" versículos (7a 10).
A fé da mãe de Moisés encontra aqui a sua inteira
recompensa; Satanás fica embaraçado e a sabedoria maravilhosa de Deus é
revelada. Quem poderia supor que aquele que havia dito às parteiras das
hebréias "se for filho, matai-o", acrescentando, "a todos os
filhos que nascerem lançareis no rio", havia de ter na sua própria corte
um desses próprios filhos? O diabo foi vencido com as suas próprias armas,
porque Faraó, de quem queria servir-se para frustrar os propósitos de Deus, foi
usado por Deus para alimentar e educar esse Moisés, que havia de ser o Seu
instrumento para confundir o poder de Satanás. Providência notável! Maravilhosa
sabedoria! Certa¬mente, "até isto procede do Senhor" (Is 28:29).
Possamos nós confiar n'Ele com mais simplicidade, e então a nossa carreira será
mais brilhante e o nosso testemunho mais eficaz.
A Sua Educação
Meditando sobre a história de Moisés é necessário
considerar este grande servo de Deus debaixo do ponto de vista duplo do seu
caráter pessoal e o seu caráter figurativo.
No caráter pessoal de Moisés há muito, muitíssimo,
que apren¬der. Deus teve não só de o elevar como de o treinar, dum e doutro
modo, durante o longo espaço de oitenta anos: primeiro na casa da filha do
Faraó e depois "atrás do deserto". À nossa fraca mentalidade oitenta
anos parecem muito tempo para a preparação dum ministro de Deus. Mas os
pensamentos de Deus não são os nossos pensamen¬tos.
O Senhor sabia que eram
necessários esses dois períodos de quarenta anos para preparar o Seu vaso
eleito. Quando Deus educa alguém, fá-lo duma maneira digna de Si e do Seu Santo
serviço. O seu trabalho não o confia a noviços. O servo de Cristo tem muitas
lições que aprender, deve passar por vários exercícios e padecer muitos
conflitos em segredo antes de estar realmente apto a agirem público. A natureza
humana não gosta deste método — prefere evidenciar-se em público a aprender em
particular. Gosta mais de ser contemplada e admirada pelos homens do que de ser
disciplina¬da pela mão de Deus. Porém isto não serve. Nós temos que seguir o
caminho traçado pelo Senhor.
A natureza pode precipitar-se no campo das
operações, mas Deus não a quer ali. É necessário que aquilo que é humano seja
quebran¬tado, consumido e posto de lado: o lugar que lhe compete é o da morte.
Se a natureza teima em entrar em atividade, Deus, na Sua fidelidade infalível e
na Sua perfeita sabedoria, ordena as coisas de tal maneira que o resultado
dessa atividade se transforma em fracasso e confusão. Ele sabe o que há-de
fazer com a nossa natureza, onde deve ser colocada e como guardá-la. Oh! que
todos possamos estarem mais íntima comunhão com Deus no que diz respeito aos
Seus pensamentos quanto ao "eu" e tudo que com ele se relaciona.
Assim cairemos menos em erro, a nossa vida será mais fiel e moralmente elevada,
o nosso espírito estará tranquilo e o nosso serviço será, então, mais
eficiente.
O Primeiro Contato com seus Irmãos
"E aconteceu naqueles dias que, sendo Moisés
já grande, saiu a seus irmãos e atentou nas suas cargas; e viu que um varão
egípcio feria a um varão hebreu, de seus irmãos. E olhou a uma e a outra banda,
e, vendo que ninguém ali havia, feriu ao egípcio e escondeu-o na areia"
versículos (11-12). Moisés mostra aqui zelo por seus irmãos "mas não com
entendimento" (Rm 10:2). Ainda não che¬gara o tempo determinado por Deus
para julgar o Egito e libertar Israel, e o servo inteligente deve aguardar
sempre o tempo de Deus. Moisés era "já grande" e "instruído em
toda a ciência dos egípcios"; e, além disso, "cuidava que seus irmãos
entenderiam que Deus lhes havia de dar liberdade pela sua mão" (At 7:25).
Tudo isto era verdade, todavia, ele correu, evidentemente, antes de tempo, e
quando alguém procede assim o resultado é o fracasso (1).
E não só o fracasso como também manifesta
incerteza, falta de serena devoção e santa independência no progresso de um
trabalho começado antes do tempo determinado por Deus. Moisés olhou a uma c
outra banda." Não há necessidade disto quando se age com e para Deus e na
plena compreensão dos Seus pensamentos quanto aos pormenores da Sua obra. Se o
tempo determinado por Deus tivesse realmente chegado, e se Moisés sentisse que
havia sido incumbido de executar a sentença de Deus sobre o egípcio, se
sentisse ainda a presença divina consigo, não teria olhado "a uma e outra
banda."
(1) No discurso de Estêvão, perante o conselho, em
Jerusalém, há uma referência à ação de Moisés, que é conveniente considerar.
"E, quando completou a idade de quarenta anos, veio-lhe ao coração ir
visitar seus irmãos, os filhos de Israel. E, vendo maltratado um deles, o
defendeu e vingou o ofendido matando o egípcio. E ele cuidava que os seus
irmãos entenderiam que Deus lhes havia de dar liberdade pela sua mão; mas eles
não entenderam" (At 7:23-25). É evidente que o fim de Estêvão, com todo o
seu discurso, era fazer com que a história da nação produzisse efeito sobre as
consciências daqueles que estavam perante ele; e seria contrário a este
objetivo e contra a regra do Espírito no Novo Testamento levantar aqui a questão
se Moisés não havia atuado antes do tempo determinado por Deus.
Além disso, Estêvão limita-se a dizer que lhe veio
ao coração ir visitar seus irmãos. Não diz que Deus o enviou por essa época.
Tão-pouco toca de nenhuma maneira na questão do estado moral daqueles que o
rejeitaram: "...eles não entenderam". Quanto a eles, isto um fato,
quaisquer que fossem as lições que Moisés pudesse ter de aprender com o
assunto. O homem espiritual não tem dificuldade em compreender isto.
Considerando Moisés como uma figura, podemos ver
neste acontecimento da sua vida a missão de Cristo a Israel e a forma como eles
o rejeitaram e a recusa em que Ele reinasse sobre eles. Em contrapartida, se
considerarmos Moisés pessoalmente, vemos que ele, à semelhança de outros,
cometeu erros e mostrou fraquezas: em algumas ocasiões andou depressa, noutras
devagar. Tudo isto é fácil de compreender e só contribui para engradecer a
graça infinda e a paciência inexaurível de Deus.
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