Posted by : Francisco Souza
sexta-feira, 2 de março de 2018
DO LADO DE FORA DO
SALEIRO
Jesus viveu os Seus três anos
de ministério como sal fora do saleiro. E quando Ele nos diz "(...) Vós
sois o sal da terra", Jesus nos está revelando essa dinâmica que consiste
em afirmar que, primeiramente, alguma coisa é, e, depois que é, passa a ser
efetivamente dentro de um outro conteúdo. Quando vemos os três anos do Seu
ministério, constatamos as ações claras de Deus agindo, dando o Seu gosto ao
desgosto da vida.
Primeiramente, observamos os
cenários da liberdade de Jesus para viver o gosto de Deus no desgosto da terra.
Vale dizer que todos esses cenários são contrários, avessos ao confinamento da
religião. É na sociedade, e no mundo, onde a vida mais acontece com toda a sua
intensidade que Jesus se encontra. É na vida em sociedade que Jesus marca o Seu
ponto, fazendo dela o Seu "point". Os "points" dEle não são
lugares tidos e consagrados como religiosos. São apenas "points". Um
dos lugares mais freqüentados por Jesus conforme lemos nos Evangelhos foi a
praia (Mateus 13:3; Marcos 4:1; Lucas 5:3; João 21:4) .
Obviamente que a praia dos tempos de Jesus não se compara com as praias dos dias de hoje, não sendo Jesus um "rato de praia" (embora eu, particularmente, tenha gostado muito de uma entrevista apresentada pelo Pare & Pense, em que o surfista Jojó de Oliveira, no quadro Atletas de Cristo, sendo entrevistado pelo Alex Dias Ribeiro, lhe disse que Jesus foi o primeiro surfista da terra, porque andou por sobre as águas) . A praia representa um conteúdo de liberdade, de amplitude; uma geografia sem confinamento, livre, sem fronteiras, pela qual as pessoas passam sem impedimentos. Essa é a praia, a beira-mar da Galiléia dos gentios, em Israel. A praia, para Jesus, constitui-se num dos cenários prediletos do Seu mover. Outra expressão freqüente que encontramos nos Evangelhos, com relação a Jesus, é "a caminho" (Mateus 20:17; Marcos 8:27; Lucas 10:38; João 12:12) , mostrando que Ele vive a glória de Deus, o amor pelo Pai, a graça divina e a misericórdia eterna do Criador de todos os seres com a liberdade de quem esbanja tudo isso pelo caminho. Jesus também freqüentava vários
banquetes,
pois era neles que encontrava os pecadores que precisavam ser salvos:
"Então lhe ofereceu Levi um grande banquete em sua casa; e numerosos
publicanos e outros estavam com eles à mesa.
Os fariseus e seus escribas murmuravam contra os discípulos de Jesus, perguntando: Por que comeis e bebeis com os publicanos e pecadores? Respondeu-lhes Jesus: Os sãos não precisam de médico, e, sim, os doentes. Não vim chamar justos, e, sim, pecadores ao arrependimento." (Lucas 5:29-32)
Os fariseus e seus escribas murmuravam contra os discípulos de Jesus, perguntando: Por que comeis e bebeis com os publicanos e pecadores? Respondeu-lhes Jesus: Os sãos não precisam de médico, e, sim, os doentes. Não vim chamar justos, e, sim, pecadores ao arrependimento." (Lucas 5:29-32)
Jesus freqüentava os cenários
do dia-a-dia, como o submundo pelo qual Ele também passou. Um bom exemplo disso
foi a "entrada" dele na vida dos gadarenos pagãos, criadores de
porcos e desprezados pelos judeus. (Marcos 5:1-17) . Jesus pregava em praça
pública, no comércio, na casa das pessoas.
Por exemplo, na casa de
Zaqueu (Lucas 19:5) , na casa de Jairo (Lucas 8:41) , em casa de fariseu (Lucas
7:36) . Jesus também pregava no campo, local onde Ele faz comparações marotas:
"Olhem! Vocês querem
saber como Deus é? Olhem os lírios do campo. Salomão, coitado, era um pobretão
diante da riqueza com que Deus veste esses lírios!... A glória de Salomão é
pálida diante desses lírios. Olhem para eles. Vejam que extravagância
Divina".
É essa mensagem que sai da
terra, que sai do campo, que sai da água, que sai da mesa, que sai da montanha,
local onde Ele se recolhe, onde Ele ora, onde Ele ensina um grupo menor; lugar
onde Ele faz o sol se ofuscar, se ocultar diante do Seu rosto reluzente, quando
da transfiguração (Mateus 17:2) . Em outras palavras, em relação aos cenários
do evangelho nos quais Jesus atuou, nós O vemos realizando, na prática, o que
João disse acerca da Nova Jerusalém, quando a vislumbrou dizendo que nela
encontrou rio cristalino (Apocalipse 22:1) , praça (Apocalipse 21:21) ; no
entanto, não foi encontrado ali santuário:
"Nela não vi
santuário..." (Apocalipse 21:22a)
Jesus, então, já vive uma
"avant-première" da Nova Jerusalém, de modo que aonde Ele vai, a
glória de Deus vai junto; Ele vai a um cemitério, a uma tumba e a ressurreição
acontece; Ele vai a um casamento e a água transforma-se em vinho; enfim, aonde
Ele vai, a glória do Cordeiro está presente. Naqueles três anos do ministério
de Jesus, não apenas vemos a atuação de alguém que vive na prática o
compromisso de dar gosto ao desgosto do mundo, nos cenários os mais
diversificados, mas também a manifestação disso nos relacionamentos construídos
por Ele nos evangelhos.
Ser sal da Terra pode
significar ser pastor de prostitutas. Ser sal da terra pode significar
tornar-se amigo de fiscais corruptos, embora isto não signifique cumplicidade
naquilo que praticam, mas, sim, ter um coração aberto para eles, não
fechando-lhes a porta. Ser sal da terra significa dar gosto à vida desgostosa
dos lamuriantes, dos oprimidos, dos doentes, dos estivadores que carregam
cargas pesadas tanto físicas, como emocionais e espirituais, aos quais Jesus
diz:
"Vinde a mim todos os que
estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu
jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis
descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é
leve." (Mateus 11:28-30)
Em outras palavras, Jesus
está dizendo:
"Vinde a mim, vós que
sois estivadores do diabo. Parem de carregar essa carga, porque o meu jugo e
suave e o meu fardo é leve."
Ser sal da terra, nesse
contexto, significa ser gente para os desumanizados; significa trazer esperança
de Deus àqueles cujos horizontes são limitados. Há pessoas que vivem uma vida
tão limitada que não conseguem perceber que um dia nasceram e que um dia vão
morrer. O mínimo que um indivíduo pode ter de tirocínio histórico é poder
dizer:
"Sei que um dia nasci, e
que um dia morrerei."
Mas, há pessoas que nem
lembram que nasceram e que um dia vão morrer. Até que vem Jesus invadindo tais
vidas, ajudando-as a olhar para trás e dizer:
"Eu nasci para um
propósito."
Jesus vem, ajudando-as a
olhar para a morte e dizer como o apóstolo Paulo:
"(...) Tragada foi a
morte pela vitória." (I Coríntios 15:54b)
De modo que tais pessoas
podem dizer:
"Eu não sou eterno, mas
tenho vida eterna. Eu não sou eterno, mas estou imortalmente ligado à vida do
Senhor Jesus."
Jesus vem ao mundo para se
relacionar com pessoas desse tipo: prostitutas, pessoas corruptas e
corrompidas, doentes, funcionários públicos, militares, religiosos e
irreligiosos.
Para Jesus, "o que cair
na rede é peixe". É por isso que Ele conta a parábola que diz:
"O reino de Deus é ainda
semelhante a uma rede que, lançada ao mar, recolhe peixes de toda
espécie." (Mateus 13:47)
Atente para a parte final do
versículo: "(...) recolhe peixes de toda espécie." Jesus acaba com o
"nazismo religioso", com a seletividade e com a segregação religiosa,
recolhendo todos os tipos de pessoas.
"E quando já está cheia,
os pescadores arrastam-na para a praia e, assentados, escolhem os bons para os
cestos, e os ruins deitam fora. Assim será na consumação do século: Sairão os
anjos e separarão os maus dentre os justos". (Mateus 13:48-49)
Para Jesus, "caiu na
rede é peixe".
A terceira coisa que vemos na
vida de Jesus nos Seus três anos de ministério, vivendo como sal de Deus, dando
gosto ao desgosto do mundo, é a qualidade do conteúdo da Sua mensagem, que era
uma mensagem para o lado de fora. Os temas dos discursos de Jesus são os mais
corriqueiros possíveis, ou os mais próximos da realidade humana. Dinheiro, por
exemplo, é um tema sobre o qual Ele fala bastante, não para pedir, como às
vezes se faz hoje em dia, desesperadamente, usando o Seu nome. Todos nós
precisamos de dinheiro, não se podendo ser romântico com relação a isso. Todos
precisamos de dinheiro para fazer a obra de Deus. Mas o dinheiro não é o
objetivo da nossa espiritualidade. Um pastor , certa vez, contou-me sobre uma
igreja a qual ele visitou, onde assistiu a um dos espetáculos mais
estarrecedores e pavorosos de sua vida. Contou-me ele que uma pessoa, à frente
da igreja, dirigia-se às outras dizendo:
"Vocês não querem me dar
dinheiro por quê? Vocês acham que eu sou ladrão? Se vocês dão dinheiro para
alguém, dêem para mim. Se vocês não dão para mim, acabam dando para outro
ladrão. Então, dêem para mim, porque, ao menos, este aqui é ladrão de
Deus."
Aquele meu amigo me disse
ainda que o pastor daquela igreja conseguiu tirar tudo. Disse ele que
primeiramente aquele pastor pediu R$ 10.000. Ninguém deu. Depois R$ 5.000.
Ninguém deu. Mas de R$ 500,00
para baixo, ele conseguiu alguns cheques. E, já ao final, ele pediu:
"Agora, aqueles que só
têm o da passagem!"
Um monte de gente
levantou-se. E ele disse:
"Então, venham aqui.
Dêem, porque se vocês não derem, Deus não vai abençoá-los."
Não era esse o dinheiro sobre
o qual Jesus falava. Jesus falava do perigo do dinheiro, ao nos dominar,
entrando em nosso coração, tornando-se o nosso referencial absoluto, o nosso
amor, a nossa paixão, tornando-nos escravos dele.
Jesus também mostrou a
natureza do dinheiro, a qual é perversa na maioria das vezes, e de como só a
graça de Deus coloca o dinheiro numa direção que pode dar glória para Deus.
Jesus falou de tudo: de juízes, de tribunais, de viúvas pobres (Marcos 12:43) ;
falou de filhos que saem de casa e de outros que ficam aborrecidos dentro dela (Lucas
15:11-32) ; falou de como se constrói uma casa, desde a preparação dos seus
alicerces (Mateus 7:24-27) ; falou de receita de cozinha (Mateus 13:33) ; falou
de moedinhas perdidas (Lucas 15:8) ; falou de plantação e de como aquilo que é
plantado pode ser destruído por outras sementes ruins (Mateus 13:24-30) ; falou
de árvores que não dão fruto (Mateus 3:10) ; falou de assaltos em estradas e de
como, às vezes, religiosos passam, indiferentes, à tragédia e à dor humana, ao
passo que outros que não têm nenhuma confissão de nenhuma religiosidade são os
mais solidários (Lucas 10:25-37) ; falou do drama dos trabalhadores (Lucas
10:7b) ; falou de talentos e de recursos que são mal utilizados, guardados ou
timidamente enterrados (Mateus 25:24) ; enfim, falou da vida.
Jesus falou pouco de anjos,
os quais são mencionados por Ele, na maioria das vezes, num plano escatológico,
final.