Posted by : Francisco Souza
sexta-feira, 2 de março de 2018
SALGANDO A TERRA
Olhando para a vida de Jesus,
o que devemos fazer?
Olhando para as mensagens que
Ele pregou, para os cenários por onde Ele andou, para os relacionamentos que
Ele teceu e construiu; olhando para o fato de que nós somos o sal da terra e
tendo consciência de que foi Ele Jesus quem mais salgou o planeta, sendo pelo
gosto que Ele trouxe a este mundo que vivemos até hoje, senão a vida seria
impossível; olhando, enfim, para a Sua vida, como é que nós devemos viver?
Primeiro, precisamos rever o cenário da nossa missão.
Comparemos o cenário da nossa
missão com o da missão de Jesus. Vivemos, às vezes, uma enorme ironia. Sabe
qual é?
.
Quando chegamos ao mundo, com
todas as suas categorias, conteúdos e realidades, em geral, nos aquietamos, nos
amordaçamos, engolindo o discurso já pronto, fazendo o exercício do mimetismo,
tornando-nos exatamente iguais, não na aparência, mas no comportamento. Assim,
nos dirigimos para esse ambiente protegido, que é o saleiro, que é a igreja, na
qual abrimos o peito, "trovejando" a justiça divina, pregando e
assumindo a ousadia fantástica de servos do Senhor. Mas, é na igreja que
podemos estar quietos, sem a necessidade de estarmos nos afirmando tanto, por
estarmos no meio dos nossos irmãos. É o local no qual devemos olhar para dentro
de nós mesmos, tratar nossas feridas. Mas o que acontece? Parece que subimos
num palco, preocupados com a "performance", com o desempenho, com a
teatralidade. Lá fora, no entanto, que é o lugar do encontro, do confronto, de
olhar no olho do outro, que é o lugar da verdade, que é o lugar de ser,
simplesmente nos embutimos dentro de nós mesmos, sendo dissolvidos no nada. De
modo que a nossa missão acaba sendo afirmá-la para aqueles que a conhecem e que
não a fazem no cenário onde ela deveria ser feita, ainda que falando dela num
lugar onde ela não existe, e falando dela para missionários sem missão, porque
no lugar de se fazê-la, voltamos para a igreja, dizendo que temos uma missão
que, na verdade, não vivemos. Deste modo, o cenário da missão passa a ser o
saleiro, sendo sal dentro do saleiro, sal do sal, luz da luz.
Geralmente, aqueles que vemos
do lado de fora com coragem de bradar, são xiitas que estão muito mais para
muçulmanos do que para cristãos. São os "guerreiros raivosos", que usam
o nome de Jesus. O livro que usam é a Bíblia, não o Corão, mas a
espiritualidade deles é muçulmana. Estes não são o sal da terra; são os
"megafones" da terra, não havendo neles nada, além de gritaria. O que
quero dizer com isso é que não adianta só ir para as praças públicas pregar,
cantar, ou então ir para as rádios, TVs, escrever livros, se a mensagem não
estiver coerente com a vida e com as atitudes. Vai-se levantar uma bandeira
religiosa, mas não se estará sendo sal.
Portanto, devemos comparar os
cenários da missão de Jesus com os da nossa. Pensemos nos da dele: à beira mar,
a caminho, no banquete, em casa, na vida, no submundo, entre as pessoas. Onde é
que andamos falando de Jesus? Será que só quando nos sentimos em maioria?
Raramente vejo alguém testemunhando de Jesus, quando esse alguém é minoria.
Segunda coisa é rever os
nossos relacionamentos e o tempo que nós investimos neles. Vejamos o tempo que
Jesus investia em gente do lado de fora do saleiro. Eu fico pensando, por
exemplo, nos meus relacionamentos. Eu me converti há 22 anos passados e os meus
relacionamentos eram todos do lado de fora do saleiro. Eu era terra da terra e
pó do pó. Quando Jesus entrou na minha vida, Ele desafiou-me a ser sal da
terra. Num primeiro momento, eu vim do mundo para a missão.
Comecei a pregar em todos os
lugares. Alguns amigos começaram a dizer sobre mim:
"Ele parece um carro
velho; onde para, prega."
Depois dessa primeira fase (do
mundo à missão) vem a segunda: da missão ao monastério. Esta se dá quando
descobrem que alguém está fazendo missão e convidam esse alguém para ensinar
como fazê-la. Com isso vai-se deixando a esquina, a praça, a vida, ficando
distante do linguajar do cotidiano, começando a usar uma outra linguagem,
ficando-se extremamente sofisticado; o número de pessoas que antes o entendiam
diminui a cada dia. No meu caso particular, eu me vi falando a pessoas que
gostavam de ouvir sobre missão, as quais sentiam um "cafuné
missionário" invadindo o corpo delas todo, ficando tão concentradas no que
ouviam, que experimentavam a sensação de que, enquanto eles ouviam, o mundo
melhorou só porque pensaram em missão.
Depois veio uma outra etapa:
do monastério à missão no mundo. Nunca me senti tanto fazendo missão no mundo
como nos últimos 5 anos. Fazendo missão num mundo no qual nem se pode imaginar
que se pode fazer missão, até que se começa a perceber que pode haver luz
brilhando nele; que um olhar, que um sorriso, que um gesto, as mais
insignificantes expressões, a linguagem, o falar e o silenciar estão gerando uma
revolução dentro das pessoas. Até que se começa a perceber que elas vão se
sensibilizando, vulnerabilizando-se diante de algo que é mais forte do que
elas. De forma que elas começam a querer ouvir tais palavras de gosto,
começando a dizer:
"Eu não sou evangélico.
Para ser franco, eu não gosto de evangélico. Mas, há algo que vocês falam que é
fascinante."
Esse algo só pode ser Jesus
de Nazaré. Então, começa-se a descobrir o quanto nossa vida pode ser
contagiante, provocativa, revolucionária, perturbadora e prazerosamente divina.
A segunda coisa, portanto, que devemos fazer é rever os nossos relacionamentos,
tendo que reaprender o que é ser gente para uma gente que não sabe o que é ser
gente; tendo que lidar com pagão; tendo que lidar com incrédulo, vendo nele um
crente em potencial, em nome de Jesus. às vezes não se dá a mínima importância
a um incrédulo. Conforme vou encontrando os incrédulos mais incrédulos deste
mundo, cumprimento-os dizendo-lhes:
"Como é que vai meu
querido irmão?"
Aí, o sujeito leva aquele
susto:
"Mas eu não sou
evangélico!..."
"Mas quem está falando
de 'evangélico'? Eu estou falando de encontrar Deus, Jesus."
O sujeito já vai ficando
sensibilizado, às vezes até atemorizado.
"Não precisa ficar com
medo ou preocupado. Eu não vou maltratá-lo."
Com essa postura, começa-se a
olhar para as pessoas vendo nelas o que elas podem ser. Como é que você acha
que Jesus olhou para Pedro? Pedro não estava pescando, trajando colarinho
clerical, nem tampouco mitra sacerdotal. Era um pescador desgrenhado. Jesus
olha para ele e diz: "Eu sei o que você pode ser. Eu o farei pescador de
homens."
Esse olhar é um olhar
prospectivo, vendo apóstolos em pescadores, servas de Deus em prostitutas,
escritores em fiscais de rendas:
"Vem cá, Mateus. A
partir de hoje você vai deixar de contar dinheiro, para contar a história das
histórias. Você vai escrever acerca da Boa Nova."
É assim que Jesus vai vendo,
não dando a mínima importância ao que eles eram, chegando a ser ridiculamente
simples.
E lá vai Mateus largando caneta,
papel, mesa, atropelando todo mundo e dizendo:
"Como é que é?! Eu não
sei de nada!
"Não faz mal, não. Você
aprende."
É construindo vínculos
inimagináveis, vendo Deus onde ninguém O vê, vislumbrando potencial onde
ninguém o enxerga, visualizando gente onde ninguém vê gente, vendo irmão onde
só há inimigo.
Terceira coisa que precisamos
fazer é rever a nossa mensagem. Não estou me referindo a pastores apenas.
A
pastores é evidente. Temos que parar de pregar essa "abobrinhada" que
temos falado. Nem a mulher agüenta mais ouvir o marido, indo os filhos para a
igreja de um outro pastor. Se um pastor quer ver se a mensagem que ele prega
tem alguma significação, basta ver como é que esposa e filhos o olham. Temos
que rever os temas das nossas mensagens. Há temas dos quais só evangélicos
gostam. É necessário que um pastor decida se vai pregar sobre um tema que só
evangélico gosta ou sobre um tema que vai impactar o mundo. Para fazer que uma
igreja delire. Não é preciso ser ungido, estar cheio do Espírito Santo; basta
saber apertar o botão certo, que a igreja vai à loucura. Infelizmente, isso é
verdade. Encontro, todos os dias, um bando de salafrários fazendo isso, não
acreditando nem na mensagem que eles mesmos estão pregando. Um dia, ouvi uma
história de um arquiteto que estava projetando uma igreja. A pedido do pastor,
logo na entrada dela haveria uma cruz. Ele também queria que fosse colocado
algum dispositivo naquela cruz, a fim de que, quando algumas pessoas a
tocassem, sentissem uma espécie de vibração. "É para criar um clima!"
justificou-se o pastor.
Vejo também igrejas com
determinadas "modas"; uma passa, outra vem. Muita gritaria, muita
manifestação fantástica, muita coreografia, muita empolgação na celebração, mas
para a Palavra, pouco estudo, pouco compromisso. É imprescindível decidir se se
quer falar para agradar a egos adoecidos de uma parte dos evangélicos ou se se
quer ser sal da terra.